Português em casa: mais soma do que divide. por Paula de Santis

Português em casa: mais soma do que divide. por Paula de Santis

Laços afetivos não têm limites e podemos pertencer a quantos mundos a gente quiser. A língua materna encarna não apenas comunicação, cultura e história. É fonte de amor, de lembranças e o elo afetivo com pessoas queridas, tenham elas vindo na mudança ou ficado no país de origem.

 

 

Para muitas famílias que optaram por migrar, falar e manter o português vivo em casa é uma tarefa penosa. Não é só um idioma. É um jeito de pensar, um jeito de encarar a vida. As palavras e as frases carregam uma cultura e uma história que, por alguma razão, decidiu-se deixar em segundo plano no dia a dia. Torna-se mais uma tarefa encaixá-lo numa vida corrida.

Porém, afastar-se desse universo que a nossa língua abraça não precisa significar abandono. É importante lembrar que nosso coração é grande!

Faz parte do projeto de migração a necessidade e o desejo de pertencer à nova cultura. Vontade de ser visto, respeitado e incluído. Automaticamente falar o idioma local é a primeira medida nessa longa trajetória de inserção e sensação de pertencimento. Ajuda a resolver o básico e, com o tempo, o menos básico.

Para as crianças, mais maleáveis, mais abertas e menos racionais, esse mergulho é natural, principalmente após o período de adaptação à essa grande viagem. Ser aceito no grupo, fugir do rótulo do estrangeiro ou do imigrante, fazer parte de verdade pode levar os pequenos a deixar de lado o idioma da mãe, da casa, aquele que aparentemente não serve mais para nada.

Cabe aos pais lembrá-los todos os dias que o português é, porém, o colchão de afeto que vai dar segurança e uma boa dose de autoestima aos desafios que uma mudança de país implica. O idioma encarna não apenas comunicação, cultura e história. É fonte de amor, de lembranças e o elo afetivo com pessoas queridas, tenham elas vindo na mudança ou ficado no país de origem.

Tudo isso para lembrar que o governo de Portugal, por meio do Ministério da Educação, financia uma série de iniciativas, especialmente na Europa, com o objetivo é manter o português vivo entre as famílias de países com essa língua oficial. Trabalham o português na fronteira com a Espanha, por exemplo.

Na França, muitas escolas públicas têm as chamadas “seções portuguesas”, em que os alunos familiarizados com o idioma têm uma carga horária maior, destinada ao ensino ou aperfeiçoamento da língua, da literatura e da história de Portugal e, consequentemente, dos países ligados à essa história, como o Brasil, por exemplo

Mais que o estudo formal em português, essas escolas promovem um encontro entre famílias e dão conforto e segurança às crianças bilíngues. Mostra que não são únicos e, mais importante ainda, que a língua materna não é um castigo ou uma carga extrapesada que terão de arrastar ao longo da vida.

Esses alunos trabalham mais que os outros, é verdade. Mas estão expostos a um ambiente privilegiado: poder ver seu país, sua história e seu idioma sob um ângulo diferente. Deparam-se com descobertas inusitadas, coincidências e muitas surpresas.

O que parecia peso se transforma. Passa a ser fonte de afeto, é lugar de matar a saudade e, ainda, uma ferramenta importante, para o futuro profissional, seja dentro ou fora do país onde está vivendo. Falar português é valor agregado e sinônimo de liberdade. E o mundo não para de girar para provar que, hora ou outra, semente vira flor.

 

 

PAULA DE SANTIS é jornalista, escritora e mãe do Rodrigo e da Alice. É pós-graduada em O Livro para a Infância, d’A Casa Tombada. Publicou, de forma independente, sua primeira obra infantil “O brilho do escuro”. Sua família multicultural e devoradora de livros mora atualmente na França.