O livro é como um parque: só trava a língua quem não se diverte! por Paula de Santis

O livro é como um parque: só trava a língua quem não se diverte! por Paula de Santis

A literatura amplia o vocabulário, propõe exercício fonético e solta a criatividade das crianças

Elas não se confundem, não misturam, não se perdem. Sabem o que querem e porque querem, ainda que não consigam explicar. Crianças, ao abrirem um livro, se sentem dentro de um parque de diversões com mais atrações do que poderiam imaginar. Não é aceitável brincar em menos do que todos os brinquedos.

Crianças bi ou multilíngues tem um tantinho a mais de entretenimento do que as que não vivem essa realidade. Querem experimentar, se observar, observar as reações de seus mediadores de leitura, comparar, sentir, viver aquele momento em sua plenitude. Descobrir por si mesmas de que jeito é mais divertido. E qual jeito dá mais frio na barriga ou mais calor no coração.

Aqui em casa, quando lemos juntos, no geral, são eles quem escolhem os livros. Vez ou outra a preguiça vence e me dão a vez de escolher (fico igual criança quando ganha o jogo: adoro escolher!).

Não é raro, quando ainda observamos a capa, me pedirem para ler em português um livro escrito em francês. O contrário, acho que nunca aconteceu. No nosso caso, pode ser porque sempre falamos português entre nós. Ou quando estão cansados, porque fica mais fácil de entender (principalmente quando o livro tem um vocabulário mais sofisticado na segunda língua). Assim, não é preciso fazer muita manobra linguística.

É frequente me perguntarem o significado de algumas palavras em português, porque não conhecem mesmo. E perguntarem como fala em português determinada palavra em francês. Procuro me lembrar que muitas palavras eles aprenderam primeiro em francês e nunca tiveram a oportunidade de ouvir ou usar em português.

Ainda brincamos muito com a nossa pronúncia. Normalmente, eu tentando imitar a perfeição que eles me trazem e pedindo para repetirem várias vezes a mesma coisa. Eles morrendo de rir das minhas tentativas e dizendo que sou muito complicada!

Nessa quadrilha, de mãos dadas no alto, vamos girando em torno de nós mesmos e ampliando nossa cestinha de palavras novas, minha e deles. De vez em quando vem chuva forte e nos abaixamos juntos para entender o que acontece no aconchego de nossos corpos. E quando passa uma cobra, não tem jeito, precisamos pular e fugir para o outro lado. Nem tudo precisa ser resolvido na hora. No final, sai sempre um casamento bonito, com noivos contentes!

Com alguma frequência, proponho à pequena, de quatro anos: “eu leio o meu e você lê o seu”, lado a lado. E me deleito, enquanto finjo passar as minhas páginas, ao ouvi-la ler a sua história, página por página, precisamente com as mesmas palavras, sons e entonações que usei para contar a história a ela, infinitas vezes.

 

 

PAULA DE SANTIS é jornalista, escritora e mãe do Rodrigo e da Alice. É pós-graduada em O Livro para a Infância, d’A Casa Tombada, publicou, de forma independente, sua primeira obra infantil “O brilho do escuro”. Hoje mora na França e incentiva o Português como Língua de Herança – POLH.